Texto de: Tarcísio Paulo dos Santos Araújo
Nascido em Paris em 8 de
dezembro de 1861, Marie Georges Jean Méliès já resistia à ideia de se tornar um
industrial do ramo dos sapatos, como seu pai, preferindo estudar desenho, escultura,
pintura e manipulação de bonecos e marionetes.
Continuou seus estudos em
Londres e depois voltou a Paris, onde começou a trabalhar como ilusionista ao
mesmo tempo em que desenhava caricaturas para uma publicação de humor. Com a
aposentadoria de seu pai, Méliès se viu obrigado a assumir a empresa junto com
seu irmão Gaston.
Em 1888, vende sua parte da
empresa para o próprio irmão e compra da viúva de Jean-Eugène Robert-Houdin
(conhecido mágico ilusionista francês) o
famoso teatro Robert-Houdin. Aos 27 anos George Méliès já tinha certa fama e
dinheiro com shows de ilusionismo.
A grande mudança veio em
28 de dezembro de 1895 quando o ilusionista estava presente na exibição de A Chegada de Um Trem na Estação, dos Irmãos
Lumière. Encantado com o que viu, Méliès falou com Antoine Lumiére para que o
mesmo lhe vendesse um exemplar do cinematógrafo. Temendo uma concorrência,
Antoine recusou.
Sem desistir, George
Méliés projetou e construiu seu próprio modelo de câmera, comprou uma grande
quantidade de filmes virgens e passou a rodar suas produções sob a chancela de
Star Film. Escamotage d’une Dame au
Théâtre Robert Houdin mostra um breve show de mágica em que uma mulher
desaparece em baixo de um pano. O filme é considerado historicamente como o
primeiro trabalho a usar o recurso stop-motion,
inventado por acaso pelo ilusionista. Um dia, enquanto operava sua filmadora em
Paris, a câmera emperrou por alguns segundos, retomando seu movimento normal
logo em seguida. Ao revelar o filme, o ilusionista se deparou com um ônibus “se
transformando” em um carro fúnebre. Na verdade, a manivela parou enquanto o
primeiro carro passava e voltou a funcionar no momento em que o segundo carro
passou. Assim surgiu o truque da parada e substituição, muito usado por exemplo
em alguns episódios do Chapolin, para
que as coisas sumam e apareçam do nada. Esse truque foi muito usado nos filmes
de George Méliès, assim como em diversos outros filmes. Em 1897 o teatro vira
estúdio e sala de projeção, e o cinema passa a tomar toda a atenção de Méliès.
A importância do cineasta
para a história do cinema, está no fato em que em uma época onde o cinema era
visto ainda como uma invenção tecnológica revolucionária, com filmes que mais
pareciam ensaios de documentários (mostrando as pessoas nas ruas) ou esquetes
de comédias, George Méliès trouxe a magia do teatro e do ilusionismo para as
telas, ganhando o status de linguagem artística. Seus filmes (alguns coloridos
a mão!) tinham um rico visual, com cenários e figurinos criados pelo próprio
cineasta.
Méliès explorou desde
1897 todas as opções que a câmera poderia lhe oferecer, desenvolvendo truques e
efeitos especiais que foram modernizados por seus sucessores. Cineasta,
figurinista, cenógrafo, produtor e ator, esse mago do cinema fez em 16 anos
mais de 500 filmes que foram vistos pelo mundo todo e que agradavam tanto
diretores de vanguarda, quanto de Hollywood.
O sucesso com os filmes
cheios de truques, fez a fama do cineasta sem a necessidade de publicidade. Ao
mesmo tempo, ele sabia que era preciso inovar cada vez mais, acrescentando
temas mais complicados e fantásticos para aumentar o interesse do público. A
necessidade de lugares imaginários fez com que o diretor contasse com sua
vocação também para o desenho para criar seus cenários ao ar livre, nada
naturais. O problema era filmar em dias de chuva ou quando o vento forte
balançava ou derrubava os cenários, além da pouca iluminação solar quando
alguma nuvem cobria o sol, única fonte de luz para fazer os filmes na época.
Essas dificuldades fizeram com que Méliès construísse seu próprio estúdio (de
vidro) para poder filmar seus curtas sem empecilhos e aproveitando ao máximo a
luz solar.
Muito artístico e com
pouca visão empresarial, George Méliès não acompanhou as mudanças que o cinema
sofria. Não havia mais espaço para o cinema artesanal criado por ele. Abriu
falência em 1923, e o teatro Robert-Houdin foi demolido no mesmo ano. Aos 70 anos,
Méliès foi encontrado vendendo doces e brinquedos na estação ferroviária de
Paris. Grupos culturais promoveram a revitalização de sua imagem e de sua obra
realizando mostras de seus filmes. Mais de 500 no total. Morreu em 1938 aos 76
anos.
Em 2011 A Invenção de Hugo Cabret, de Martin
Scorsesse retratou um pouco da história de Méliès e da magia de seus filmes. O
filme venceu 5 Oscars, incluindo melhor fotografia e efeitos visuais, e é uma
verdadeira homenagem a esse período tão fantástico do cinema.
Não podemos deixar de
indicar alguns dos filmes mais significativos da carreira desse cineasta tão
importante para sétima arte. Felizmente
há muitos filmes que sobreviveram ao tempo, mas abaixo você confere os cinco
mais significativos de sua carreira.
A
Mansão do Diabo (Le Manoir du Diable, 1896)
Esse é considerado o
primeiro filme de terror da história do cinema. O curta não chega a assustar,
porém, elementos do terror como, esqueletos, fantasmas, morcegos, objetos que
aparecem e desaparecem e o próprio diabo, estão presentes nessa produção que merece
estar na lista.
Un
Homme de Têtes (1898)
Méliès, duas mesas, um
banquinho, um banjo e.....cabeças! Nesse singelo curta surreal, o grande mago
do cinema ousa nos efeitos. Vemos George Méliès arrancar sua própria cabeça e a
multiplicar em cima de duas mesas, formando um coral que canta enquanto ele
próprio toca um banjo.
Joana
d'Arc (Jeanne d'Arc, 1900)
Primeiro filme a contar
toda a história da heroína francesa, o curta de pouco mais de 10 minutos, já
traz um cinema criado por Méliès mais voltado para uma narrativa linear do que
um truque de mágicas. Pintado à mão, a obra conta com figurinos caprichados e
cenários muito bem criados que criam profundidade de campo, ruas e até sombras
das casas.
As
Quatrocentas Farsas do Diabo (Les quatre cents farces du diable,
1906)
Completamente surreal, o
enredo gira em torno de dois homens que encontram problemas durante uma viagem
de carruagem. Perseguidos pelo diabo que faz diversos truques, os dois
viajantes caem dentro de um vulcão e passam por planetas, estrelas, até caírem
de vez no inferno. Destaque para o movimento da carruagem durante boa parte do
curta e para o cavalo esqueleto que puxa o veículo.
Viagem
à Lua (Le voyage dans la lune, 1902)
E chegamos ao filme que
não poderia faltar. O mais conhecido filme de George Méliès, levou três meses
para ficar pronto e é considerado um dos primeiro filmes de ficção científica
da história do cinema. Baseado livremente no romance Da Terra
à Lua (1865) de Júlio Verne, o curta conta a história de um grupo de
astrônomos que viajam até a lua. A cena da lua sendo atingida no olho pelo
foguete, está facilmente em listas de cenas mais icônicas de toda a história da
sétima arte e mostra como o cinema de George Méliès não tinha limites, podendo
representar tanto a Terra, quanto o universo. Suas criações mostraram que o
cinema tinha condições de sair da representação da realidade para alcançar
lugares nunca antes imaginados dentro da grande tela.