O ator australiano Joel Edgerton, estreou na direção com o excelente thriller O Presente (The Gift, 2015), no qual também atua. Agora no seu segundo filme, Boy Erased: Uma Verdade Anulada (Boy Erased, 2018), Edgerton repete os cargos na direção e também como ator coadjuvante. O ator e cineasta até agora tem se saído bem em ambas as funções, levando em conta quem nem sempre pode ser fácil dirigir e interpretar no mesmo filme.
Dessa vez em um drama sensível, Edgerton adaptou o livro Boy Erased: A Memoir, escrito por Garrard Conley em 2016. O livro narra as memórias de Conley durante o tempo em que ficou na Love Action, um ministério cristão dedicado a “curar” a homossexualidade de pessoas dispostas a “mudar” sua condição sexual. Vindo de uma família cristã protestante que vive no Arkansas, Conley é filho de um pastor que obviamente não aceitava a homossexualidade de seu único filho.
No longa os nomes foram modificados, tendo Lucas Hedges como Jared Eamons (Garrard), Nicole Kidman como Nancy Eamons (Martha, mãe de Conley) e Russell Crowe como o pastor Marshall Eamons (Hershel, pai de Conley). Joel Edgerton, interpreta Victor Sykes, o líder do ministério Love Action.
Seguindo a linha narrativa do livro, o longa não conta a história de forma linear, optando por progredir e regredir no tempo. O início já nos mostra a internação de Jared no ministério, enquanto começamos a voltar em situações antes da interação, em momentos pontuais em que o personagem precisa lembrar do que aconteceu com ele para fazer as atividades exigidas por Victor.
Por mais absurdo que uma terapia de conversão sexual possa ser, é curioso como o filme escolhe um tom mais ameno para retratar isso. Longe de um possível sensacionalismo, Love Action é retratado como um lugar extremamente bem organizado e sistemático. Em um primeiro momento, acreditamos até nas “boas intenções do lugar”.
A Câmera frequentemente passei pelos personagens enquanto são lidos tópicos importantes para que a “cura” seja realizada. Os internos sempre usam branco, talvez como forma de representar a pureza de espírito longe do “pecado”, já que é justamente essa espécie de libertação que é buscada no local. Ao mesmo tempo, quando há um enquadramento de todos juntos, podemos até nos lembrar de uma linha de montagem de automóveis onde todos parecem iguais, já que estão sendo condicionados a pensar e agir da mesma forma.
Jared nisso tudo, se mostra alguém disposto a tentar mudar sua vida para poder ser aceito em casa, já que a condição imposta por seu pai para que ele continue a viver junto com a família, é que ele mude. No decorrer dos dias, algumas tarefas são pedidas aos internos, sempre como forma de descobrir o motivo que levou com que o indivíduo tenha se “tornado” homossexual. É A partir daí que pontos chaves da vida de Jared nos permite conhecê-lo melhor, como por exemplo quando ele foi para a faculdade. Aqui mais uma vez o filme foge do óbvio.
Podendo abordar um romance mais típico entre dois garotos e talvez até se ancorar a isso para criar uma empatia mais fácil com o personagem, o primeiro contato íntimo do protagonista com alguém do mesmo sexo, é extremamente traumático e devastador. Esse acontecimento poderia caracterizar (para pessoas que pensam que a homossexualidade surge depois de algum trauma) o ponto inicial em que a homossexualidade de Jared teria se manifestado. Claro que não é assim, e o filme de forma simples e não didática, deixa isso bem claro. Depois um segundo contato entre Jared e outro garoto, sai novamente do óbvio e acaba sendo mais simples do que se poderia imaginar. Ao mesmo tempo a experiência simples e até inocente entre os dois jovens, foi extremamente impactante e benéfica para Jared.
No decorrer da narrativa vamos descobrindo melhor sobre os métodos utilizados para se alcançar essa espécie de regeneração das pessoas. Os momentos mais difíceis, por sinal, ocorrem com outros personagens, que em maioria, estão bem representados em cenas também pontuais. O cantor australiano Troye Sivan, que tem uma canção na trilha sonora do filme, interpreta Gary, que está ciente de que o “tratamento” não serve de nada, mas que se conformou em fingir que está dando certo. Xavier Dolan tem uma pequena participação no filme em pouco mais de quatro cenas em que faz um jovem que leva toda a experiência no ministério a sério, aparecendo constantemente com hematomas no rosto decorrentes de possíveis abusos físicos (além dos psicológicos) que também fazem parte do lugar.
Uma sequencia específica é a mais dolorosa de assistir e mesmo carregada de um exagero que nunca é gratuito, mesmo porque o filme é baseado em fatos, não faz com o que o longa perca sua naturalidade e sensibilidade. Talvez antes de pensarmos nos organizadores do Love Action como vilões, eles também sejam pessoas completamente atormentadas e ignorantes que acreditam de fato de que é possível se livrar da homossexualidade como se ela fosse uma doença.
Joel Edgerton stars as the head of a “conversion therapy” program in Boy Erased, which he also directs.
Nosso protagonista no entanto, é diferente dos outros. Como diz o próprio nome “Boy Erased” (“Garoto Apagado”), o tratamento nada mais é que uma forma de apagar a personalidade das pessoas, seus gostos, opiniões, enfim, tudo aquilo que faz ela ser o que é de verdade. O momento em que Jared percebe realmente que isso não está sendo benéfico para ele, resulta em momentos bem tensos e também emocionantes. É aqui que descobrimos a força da personagem de Nicole Kidman, em uma das cenas mais emocionantes do filme. Russel Crowe também tem seu momento em uma cena mais para o final em que seu personagem evolui como ser humano.
Com uma simplicidade e um ritmo mais desacelerado que pode até incomodar algumas pessoas, Boy Erased: Uma Verdade Anulada, consegue tratar de mais um assunto que vale sempre ser discutido dentro da causa LGBTQ+ ao mesmo tempo em que faz isso sem didatismos, optando por uma abordagem mais intimista do personagem principal.