domingo, 17 de fevereiro de 2019

Na Netflix: "Aterrorizados": o choque pelo desconforto


Lançado em 2018, Aterrorizados (Aterrados, 2017) foi escrito e dirigido pelo cineasta argentino Demián Rugna. O longa teve sua estreia internacional no Festival de Mar del Plata e teve uma recepção positiva por parte do público e da crítica. Com o sucesso, o longa já está disponível na Netflix e o diretor já anunciou que está trabalhando em uma sequência.
Em uma rua de um bairro na Argentina, três casas sofrem com acontecimentos estranhos. Um homem não consegue dormir por conta de uma estranha presença durante à noite em seu quarto, uma mulher ouve vozes vindas do ralo da pia da cozinha e outra mulher após perder seu filho em um acidente na própria rua, vê o corpo da criança (que aparentemente saiu do túmulo) dentro de sua própria casa.
Em meio a isso, três investigadores tentam descobrir o que está havendo nessa rua sinistra. Primeiramente é preciso deixar de lado um pouco alguns aspectos. Nem tudo no filme será explicado, deixando muita coisa para ser melhor trabalhada possivelmente na continuação que ainda irá estrear. O final pendendo para o clichê, acaba sendo anticlimático, como se ao chegar no fim, o filme tivesse sido cortado ou estivesse faltando a continuação.
Você deve se perguntar: Se o filme tem esses problemas, ele merece mesmo ser visto? A resposta é sim. Principalmente, claro, para os fãs de terror. Pouco preocupado com assustar constantemente o espectador, Aterrorizados segura seu público nos acontecimentos bizarros e numa sensação de insegurança dos personagens que acaba por nos deixar tensos junto com eles.
As criaturas não surgem do nada na tela para nos pegar de surpresa. Com raras exceções, elas surgem no momento certo e o próprio aspecto das mesmas, já nos choca sem precisar do tal susto junto com uma música estridente que se inicia quando menos esperamos. Ficamos à mercê do perigo e sem saber o que está acontecendo. Quando temos um pouco de informação sobre o que está acontecendo com as personagens vítimas dos estranhos acontecimento nas casas, tudo fica ainda mais bizarro e instigante.
Com algumas referências de filmes como A Morte do Demônio e as histórias de H. P. LovecraftAterrorizados é um bom filme do gênero do terror/horror que tem seus méritos. O roteiro poderia desenvolver uma história mais consistente, mas mesmo assim vale a diversão.

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2019

Dica de Documentário: Expedition Happiness


A dica de hoje é de um filme documental alemão, Expedition Happiness, dirigido e Co estrelado pelo casal Felix Starck e Selima Taibi.

O filme se trata de uma experiência de vida, na qual Felix, Selima e o cachorro de estimação Rudi se aventuram em uma viagem ambiciosa a bordo de um ônibus, com a meta de cruzarem o continente americano.



No começo do filme somos apresentados ao casal e as suas ideias sobre a viagem, enquanto eles reformam um ônibus estilo esses ônibus escolares americanos. Starck é um jovem cineasta que já havia se aventurado em outra jornada parecida, que também ficou registrada no documentário de sucesso “Pedal the World” de 2015. Já Selima Taibi que também conhecida como Mogli é uma cantora e compositora, que por sinal assina a trilha sonora do filme ela deseja que a viagem seja uma experiência criativa e inspiradora para a produção artística do casal.



Como o próprio titulo do filme sugere, se trata de uma expedição em busca da felicidade, eles desejam sair do lugar comum e registrar imagens em contato com as maravilhas da natureza, e conhecer novas culturas entrando diretamente em contato com a forma de viver de cada lugar que passarem, talvez esse seja o grande trunfo do filme, a experiência do conato humano, não apenas na relação estabelecida ente Felix Starck e Selima Taibi a bordo do ônibus, mas também a troca que eles fazem com as pessoas que vão conhecendo ao longo da viagem.



O filme é rico em paisagens deslumbrantes do Canada, dos Estados Unidos, do Alasca, e do México, na qual a natureza ganha destaque em belas imagens em planos demorados para que possam ser apreciados de forma a inspirar tranquilidade e paz. Porém todo o contato humano em diferentes culturas traz o charme do documentário, do qual não fica de fora nem mesmo problemas com o visto nos EUA, e até mesmo visitas em fazendas de pessoas possivelmente envolvidas com o crime organizado no México.



Tudo isso ajuda o filme a ganhar um peso emocional interessante, fugindo da proposta inicial dos sentimentos apenas de liberdade e felicidade, fazendo com que a viagem ganhe verdade em meio a problemas sérios encontrados pelo caminho, que passam de problemas com a manutenção do ônibus, e dificuldades de adaptação a climas diferentes, até problemas graves de saúde do cãozinho Rudi, o que coloca em cheque o desenrolar da viagem e obriga o casal a repensar o roteiro.

O filme tem uma direção moderna, em vários momentos temos a sensação de estarmos acompanhando dois amigos em uma viagem pelas redes sociais e pelo YouTube, pois tem várias tomadas e imagens com câmera na mão em formato de self, registros pessoais, e conversa cara a cara com a câmera como desabafos em estilo stories de Instagram,  ao mesmo tempo que temos o contraste com lindas tomadas panorâmicas e um controle de roteiro e edição que torna tudo muito bonito, além de uma trilha sonora que vem a calhar com lindas canções da própria Selima Taibi.



O filme é uma ótima pedida para quem curti documentários sobre estilo de vida e viagens, mas ele acaba indo além, flertando com estilos documentais como o performático e o reflexivo.
Se você ficou interessado em conferir o filme, vale lembrar que ele ainda está disponível no catálogo da Netflix.

domingo, 3 de fevereiro de 2019


A "cura gay" em "Boy Erased: Uma Verdade Anulada"

O ator australiano Joel Edgerton, estreou na direção com o excelente thriller O Presente (The Gift, 2015), no qual também atua. Agora no seu segundo filme, Boy Erased: Uma Verdade Anulada (Boy Erased, 2018), Edgerton repete os cargos na direção e também como ator coadjuvante. O ator e cineasta até agora tem se saído bem em ambas as funções, levando em conta quem nem sempre pode ser fácil dirigir e interpretar no mesmo filme.
Dessa vez em um drama sensível, Edgerton adaptou o livro Boy Erased: A Memoir, escrito por Garrard Conley em 2016. O livro narra as memórias de Conley durante o tempo em que ficou na Love Action, um ministério cristão dedicado a “curar” a homossexualidade de pessoas dispostas a “mudar” sua condição sexual. Vindo de uma família cristã protestante que vive no Arkansas, Conley é filho de um pastor que obviamente não aceitava a homossexualidade de seu único filho.
No longa os nomes foram modificados, tendo Lucas Hedges como Jared Eamons (Garrard), Nicole Kidman como Nancy Eamons (Martha, mãe de Conley) e Russell Crowe como o pastor Marshall Eamons (Hershel, pai de Conley). Joel Edgerton, interpreta Victor Sykes, o líder do ministério Love Action.
Seguindo a linha narrativa do livro, o longa não conta a história de forma linear, optando por progredir e regredir no tempo. O início já nos mostra a internação de Jared no ministério, enquanto começamos a voltar em situações antes da interação, em momentos pontuais em que o personagem precisa lembrar do que aconteceu com ele para fazer as atividades exigidas por Victor.
Por mais absurdo que uma terapia de conversão sexual possa ser, é curioso como o filme escolhe um tom mais ameno para retratar isso. Longe de um possível sensacionalismo, Love Action é retratado como um lugar extremamente bem organizado e sistemático. Em um primeiro momento, acreditamos até nas “boas intenções do lugar”.
A Câmera frequentemente passei pelos personagens enquanto são lidos tópicos importantes para que a “cura” seja realizada. Os internos sempre usam branco, talvez como forma de representar a pureza de espírito longe do “pecado”, já que é justamente essa espécie de libertação que é buscada no local. Ao mesmo tempo, quando há um enquadramento de todos juntos, podemos até nos lembrar de uma linha de montagem de automóveis onde todos parecem iguais, já que estão sendo condicionados a pensar e agir da mesma forma.
Jared nisso tudo, se mostra alguém disposto a tentar mudar sua vida para poder ser aceito em casa, já que a condição imposta por seu pai para que ele continue a viver junto com a família, é que ele mude. No decorrer dos dias, algumas tarefas são pedidas aos internos, sempre como forma de descobrir o motivo que levou com que o indivíduo tenha se “tornado” homossexual. É A partir daí que pontos chaves da vida de Jared nos permite conhecê-lo melhor, como por exemplo quando ele foi para a faculdade. Aqui mais uma vez o filme foge do óbvio.
Podendo abordar um romance mais típico entre dois garotos e talvez até se ancorar a isso para criar uma empatia mais fácil com o personagem, o primeiro contato íntimo do protagonista com alguém do mesmo sexo, é extremamente traumático e devastador. Esse acontecimento poderia caracterizar (para pessoas que pensam que a homossexualidade surge depois de algum trauma) o ponto inicial em que a homossexualidade de Jared teria se manifestado. Claro que não é assim, e o filme de forma simples e não didática, deixa isso bem claro. Depois um segundo contato entre Jared e outro garoto, sai novamente do óbvio e acaba sendo mais simples do que se poderia imaginar. Ao mesmo tempo a experiência simples e até inocente entre os dois jovens, foi extremamente impactante e benéfica para Jared.
No decorrer da narrativa vamos descobrindo melhor sobre os métodos utilizados para se alcançar essa espécie de regeneração das pessoas. Os momentos mais difíceis, por sinal, ocorrem com outros personagens, que em maioria, estão bem representados em cenas também pontuais. O cantor australiano Troye Sivan, que tem uma canção na trilha sonora do filme, interpreta Gary, que está ciente de que o “tratamento” não serve de nada, mas que se conformou em fingir que está dando certo. Xavier Dolan tem uma pequena participação no filme em pouco mais de quatro cenas em que faz um jovem que leva toda a experiência no ministério a sério, aparecendo constantemente com hematomas no rosto decorrentes de possíveis abusos físicos (além dos psicológicos) que também fazem parte do lugar.
Uma sequencia específica é a mais dolorosa de assistir e mesmo carregada de um exagero que nunca é gratuito, mesmo porque o filme é baseado em fatos, não faz com o que o longa perca sua naturalidade e sensibilidade. Talvez antes de pensarmos nos organizadores do Love Action como vilões, eles também sejam pessoas completamente atormentadas e ignorantes que acreditam de fato de que é possível se livrar da homossexualidade como se ela fosse uma doença.
Joel Edgerton stars as the head of a “conversion therapy” program in Boy Erased, which he also directs.
Nosso protagonista no entanto, é diferente dos outros. Como diz o próprio nome “Boy Erased” (“Garoto Apagado”), o tratamento nada mais é que uma forma de apagar a personalidade das pessoas, seus gostos, opiniões, enfim, tudo aquilo que faz ela ser o que é de verdade. O momento em que Jared percebe realmente que isso não está sendo benéfico para ele, resulta em momentos bem tensos e também emocionantes. É aqui que descobrimos a força da personagem de Nicole Kidman, em uma das cenas mais emocionantes do filme. Russel Crowe também tem seu momento em uma cena mais para o final em que seu personagem evolui como ser humano.
Com uma simplicidade e um ritmo mais desacelerado que pode até incomodar algumas pessoas, Boy Erased: Uma Verdade Anulada, consegue tratar de mais um assunto que vale sempre ser discutido dentro da causa LGBTQ+ ao mesmo tempo em que faz isso sem didatismos, optando por uma abordagem mais intimista do personagem principal.

Erotismo e a cidade: Vidas nuas (1967) de Ody Fraga

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